Sem Limites (limitless) é um filme de ficção, mas com muita realidade e reflexão. Dr Mario Peres, comenta sob o prisma da neurologia
A história de um escritor mal sucedido, na carreira e na vida pessoal que de uma hora para outra tem sua vida mudada por uma cápsula milagrosa que o transforma em um super-homem, com a capacidade de utilizar 100% do seu cérebro, escreve um livro em poucos dias, aprende a tocar piano em 3 dias, aprende línguas rapidamente, passa a ter uma noção de tempo diferente, uma clareza das coisas como nunca pode experienciar. Passa então a ser um homem de sucesso, de altíssima performance.
Mas com o tempo ele percebe o efeito devastador da ausência da droga, chamada de NZT, gerando dor de cabeça, fadiga, dificuldade para andar, e em alguns exemplos citados no filme coma e morte.
A droga NZT é sintetizada por um laboratório aparentemente clandestino, sem testes clínicos adequados que causa um poder muito rápido de viciar. A droga lembra alguns efeitos da cocaína, causa em Eddie, o personagem do filme, uma série de problemas até levá-lo quase a morte. Porém ele consegue sobreviver, dominar a droga, aparentemente melhorá-la, retirando os efeitos indesejados em um fantástico rearranjo farmacológico, consegue sair da droga e continuar tendo os efeitos positivos.
O que temos de real neste filme? Algumas perguntas surgem como: Existem remédios ou drogas para melhorar a concentração, a sensação de bem-estar, o poder de decisão, auto-confiança? Podemos com um efeito de um remédio aprender e continuar tendo o feito deste remédio mesmo sem tomá-lo?
Vamos ao primeiro questionamento. Existem remédios, sim, que melhoram vários aspectos do comportamento e da performance cerebral. Antidepressivos, estimulantes, neuromoduladores, a medicina avança exponencialmente e vemos remédios cada vez mais eficazes e com menos efeitos colaterais. Uma discussão importante porém é se tomamos remédios na ausência de uma doença como o TDAH (déficit de atenção e hiperatividade), depressão ou ansiedade para simplesmente melhorarmos a nossa performance? No caso de Eddie, claramente ele se encontrava em um quadro disfuncional, completamente paralisado na sua produtividade e vida pessoal, provavelmente Eddie receberia em uma consulta médica um diagnóstico como o TDAH ou depressão ou algum outro, só podemos elocubrar, mas de longe a sua vida no início do filme poderia estar normal. Este dilema que vivemos precisa ser melhor discutido pela sociedade, pois hoje o que ocorre é um exagero no uso das medicações, e ao mesmo tempo uma imensa falha no reconhecimento de quadros como o TDAH, depressões e doenças da ansiedade. A ciência evoluiu para permitir ao ser humano que possa melhorar a sua qualidade de vida e os remédios são ótimas ferramentas para isto. Mas a ciência evoluiu também para mostrar que não é só com remédios que podemos melhorar nossa qualidade de vida. Então seguimos para o segundo questionamento.
É possível que durante o uso de um remédio possamos aprender ou nosso cérebro passar a trabalhar melhor com aquele remédio e após a saída dele as coisas continuarem bem? O ajuste medicamentoso de um problema neurológico e/ou psiquiátrico por um período determinado (em geral vários meses) pode fazer o cérebro se “engatar” numa outra “marcha” e parar de dar problemas com a “ignição e engate da primeira marcha”. A estabilidade neuronal adquirida com remédios gera algo como uma inércia, que tende a ser mantida com o tempo, mesmo sem o medicamento. O exemplo do tratamento preventivo da enxaqueca ilustra bem isto, utiliza-se um medicamento que pode ser antidepressivo, anticonvulsivante, ou outro, a pessoa diminui as crises de enxaqueca por alguns meses e após alcançada esta estabilidade parte-se para uma outra etapa do tratamento, a retirada do medicamento, porém isto só ocorre se houver um aprendizado, uma mudança das sinapses (ligação entre os neurônios), uma mudança comportamental, no estilo de vida, na rotina, nos pensamentos e emoções do paciente, aí então modificando as sinapses, não necessitando mais do medicamento. Isto pode acontecer, mas o esforço é grande, mudar o estilo de vida, o comportamento, ninguém quer . O mais fácil e procurar uma NZT.
A medicina vai achar novas e novas NZTs, mas a humanidade tem que ir a procura de um equilíbrio do ajuste químico do cérebro através dos remédios (e não negar que ele pode ser realizado) com medidas não medicamentosas, levando em conta todas as dimensões do ser humano: a física, química, genética, socio-cultural, mental e espiritual.
Mario Fernando Prieto Peres, médico neurologista, pós-doutorado na Thomas Jefferson University, fellow do American College of Physicians.
Gostaria de receber esta matéria por e-mail.
E estudos sobre este assunto.
Obrigada!
Gostei muito de seu texto bem esclarecedor. Acho que estamos convencionados ultimamente em querermos achar fórmulas mágicas para obtermos um corpo mais forte,perder peso e até como no caso do filme um cérebro mais ativo que nos permitisse aprender coisas em pouquíssimo tempo. O ser humano precisa ter em mente que nada sem um esforço próprio trará resultado e não existe fórmula surpresa, alguns medicamentos podem ajudar, mais em alguns momentos podem trazer a dependência e não serem nada benéficos.
Mas TDAH ajuda muito ,dependendo…
No meu caso ,…eu tenho hiperfoco em qualquer área de clareza lógica, como física,matemática,filosofia e música. (contrapondo com portugues,química,medicina e direito.)
Mario, resguardadas as devidas proporções do filme, sou a prova viva de que é possível. Referenciando apenas 1 sintoma “a ENXAQUECA” q me atormentava há 3 anos e se agravou após o evento do ano passado, seguir rigoramente suas orientações quanto a medicação e também a necessidade de mudança no meu estilo de vida e comportamento, fui além… trabalhei a mudança no meu padrão de pensamentos e aprendi a controlar mais minhas emoções…tomei por 6 meses rigorasamente a medicação recomendada, no início de fevereiro fiz o desmame e fazem 50 dias q não tenho enxaqueca “sem uso nenhum de medicação”…acho q minhas SINAPSES aprenderam direitinho kkk MUIIIITO OBRIGADO!!!
Obrigado pelo depoimento Sandra! Bom que vc está bem da Enxaqueca